sábado, 19 de julho de 2008

1975

1975-Mudamos para um sítio ás margens de uma interestadual entre os estados de Minas e São Paulo.Este lugar marcou de forma bastante peculiar a minha infância.Casa simples,fogão á lenha,um puxadinho pra mamãe lavar roupas, quintal branquinho, paiol,chiqueiro e uma árvore grande e frondosa onde meu pai fizera um balanço- minha maior diversão.Vou citar fatos importantes desta fase da minha vida.O primeiro foi o nascimento de meu irmão Júnior- um menino, depois de duas meninas.Foi bem legal(e não veio de avião; talvez da cegonha, eu pensei).Com a chegada do rebento, tive a minha primeira festa de aniversário,pois aproveitaram minhas sete primaveras para fazer a festa de batismo do Júnior.Tá bom, a festa era mais por causa dele.Mas enfim, festa.Galinhada, bolo de glacê de limão e suco em pó.Lembra do Ki-Suco?O de groselha era formidável.Foi lá no sítio Queixada(nunca entendi o poque do nome ‘Queixada”)que ganhei também minha melhor amiga- a Cabrita Peta.Não sei onde papai arrumou aquele bicho desengonçado, mas a questão é que a peta era praticamente da família.Era divertida e inteligente, parecia gente de verdade, comia á mesa ,tudo bem que era debaixo das vassouradas da mamãe pra danada sair de lá;pulava a janela, deitava-se em nossas camas e saía correndo;brincávamos de pega-pega.Diversão pura.
Tratando-se de família, tive mais uma felicidade - tia Luzia, irmã de mamãe veio morar com a gente.Fiquei encantada com sua graça e humor fresco dos seus 20 anos.Adorava a sua companhia.Estava mesmo feliz nessa época.Entretanto, a novidade que tomava conta do meu ser era minha entrada para a escola.Dias antes do início das aulas, papai tratou logo de comprar os materiais – cadernos, lápis, borracha,régua e a cartilha; tudo novinho dentro de uma maleta que eu achara chique demais pra mim, mas amei.Como era bom folhear os cadernos, sentir o cheiro do novo que estaria por vir.e a cartilha então?!Toda colorida,cheia de enigmas para uma cabecinha jovem e curiosa como a minha.Mamãe ficou com a parte do uniforme, já que costurar era sua especialidade.Confeccionou-me uma camisa branca, uma sainha xadrez com pregas e comprou meias brancas até os joelhos e sapatos pretos.
Pra ir até a escola a 30 Km de casa, tinha de pegar a perua escolar,uma Kombi branca.descia os quinhentos metros pelo pastinho e esperava a condução na companhia de meu pai.A escola foi um caminho novo para mim(suave como a Cartilha).Não me lembro dos colegas,apenas das lições, das palavras,dos primeiros rabiscos, dos desenhos e do colorido das figuras me mostrando a beleza,os sonhos que ali pareciam tão reais.Enfim, meu relacionamento com a escola no primeiro ano, limitou-se na cartilha,nos lápis e cadernos e no vulto da professora Ruth, nem sei se era este mesmo o nome dela, mas devia ser Ruth.Não recordo suas feições,pois só me dirigia a palavra quando me tomava as lições de leitura e nada mais.
Duas foram as ocasiões em que me dirigiu a palavra, na primeira, um desastre, na outra, uma glória.vamos aos fatos.naquela época, era raro alunos pedirem para ir ao banheiro e naquele dia, justo aquele dia, senti uma vontade incontrolável de fazer xixi.Meu Deus!O que eu faço?Como vou pedir pra fazer xixi?Eu nem falo?!Mas minha terrível timidez foi sucumbindo á maldita necessidade fisiológica e a frase saiu quase muda, fraca._Senhora Ruth, posso ir ao banheiro?_E a resposta foi:_Não!!!!!!!Senhor!Parecia que ia desmaiar.E o xixi insistente me torturava.Me contorcia na cadeira, apertava as pernas, as mãos suadas já não conseguiam segurar o lápis.Tontura, náusea e sem mais o que fazer, senti o líquido quente escorrendo pelas pernas, ensopando minhas meias , inundando os sapatos pretos e finalmente represar-se embaixo de minha cadeira, formando uma lagoa, de tamanho razoável.Queria morrer, fugir,mudar de planeta.Quem sabe o desastre tivesse passado em branco, sem que ninguém tivesse visto.esta idéia me acalentou até eu ouvir um sonoro_Professora, a menina fez xixi nas calças!_Foi o fim.Eu que gostava de ficar invisível com meus livros, tinha todos os olhares da sala voltados para mim.Dona Ruth, então sentiu necessidade de levantar o traseiro da cadeira, pegou-me pelo braço e mandou a inspetora me levar para limpar aquela sujeira.A partir do fatídico dia fiquei conhecida com Maria Mijona.Na segunda vez que a mestra me dirigiu a palavra foi talvez o fator decisivo para que eu me tornasse o que sou hoje.Estávamos em meados de novembro e ficara sabendo que era de praxe no final do ano letivo, que os professores escolhessem um par de alunos de cada série para serem homenageados no Grêmio Cultural e Recreativo da cidade.Com gesto formal, dirigiu-se até o centro da sala e informou com voz solene:
_Bem, como é sabido de todos,escolhi um menino e uma menina para representar a nossa escola na Cerimônia do Grêmio .E é com muito prazer que anuncio os escolhidos da sala...O aluno é Carlos Rafael e a aluna, a Izabel Cristina.Parabéns.Voces ganharão a medalha de melhores alunos da classe.
Sentimentos de euforia e contentamento tomaram conta do meu coraçãozinho que pulava mais do que a peta Cabrita.Eu sabia!Sabia que eu era boa, não só boa, como a melhor.Que alegria ao chegar em casa e contar pra todos.estava tão feliz!Levei até a metade da minha paçoca pra Sandrinha.Reconhecimento.Foi este o sentimento que obtive dos meus pais, não era apenas uma criança quieta.Eu era inteligente.Eu podia ser diferente.Eu podia.